Encontro de GIGANTES: a música “Sabiá” foi composta por dois dos maiores nomes da música popular brasileira – e mundial! – de todos os tempos: Chico Buarque (que completa 81 anos hoje!) e Tom Jobim.
Vamos conhecer a história por trás dessa música?
Em 29 de setembro de 1968, “Sabiá”, foi apresentada no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, durante as eliminatórias nacionais do 3º Festival Internacional da Canção, interpretada pela dupla de irmãs Cynara e Cybele (duas integrantes do grupo vocal Quarteto em Cy), e recebeu vaias quase unânimes, que se tornaram ainda mais fortes quando a música foi anunciada como a melhor, segundo o júri.
O público que lotava o estádio preferia, e cantava em uníssono, “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores” (também conhecida como “Caminhando e Cantando”), de Geraldo Vandré, uma canção de protesto que criticava de forma explícita a situação do país e conclamava o povo a reagir aos absurdos do regime militar: “Vem, vamos embora/ Que esperar não é saber/ Quem sabe faz a hora/ Não espera acontecer”.
Chico – que não estava neste dia, porque estava passando uma temporada na Itália – conseguiu chegar a tempo de participar da grande final, no dia 06 de outubro. Depois das vaias da eliminatória anterior, Tom Jobim fez questão que seu parceiro voltasse ao Brasil e subisse com ele e com Cynara e Cybele ao palco, caso a canção fosse escolhida como a vencedora e gerasse novamente insatisfação do público presente.
Não deu outra: “Sabiá” venceu a fase internacional e tornou-se a grande campeã do festival. Naquele dia, as vaias continuaram, mas misturadas com alguma torcida também, afinal, era a música que estava representando o nosso país em um festival internacional, concorrendo com canções de outros países. Veja como foi:
O público que vaiava acreditava que “Sabiá” era uma música desvinculada da realidade, alienada em relação ao que estava ocorrendo no país, por não ser uma canção de protesto.
Acontece que, mesmo com uma letra mais sutil e metafórica, “Sabiá”, também era uma canção política – como tantas outras canções de Chico Buarque que foram perseguidas pela censura nos anos seguintes – embora o próprio Chico tenha dito que não a compôs exatamente com esse intuito.
Osabiá é uma ave tipicamente brasileira e canção fala sobre alguém que deseja voltar para seu lugar de origem, onde já ouviu no passado – e onde quer novamente – ouvir cantar uma sabiá.
“Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De uma palmeira que já não há
Colher a flor que já não dá
E algum amor talvez possa espantar
As noites que eu não queria
E anunciar o dia
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos de me enganar
Como fiz enganos de me encontrar
Como fiz estradas de me perder
Fiz de tudo
E nada de te esquecer”
“Sabiá” transmite em sua letra um saudosismo, onde se percebe como o Brasil se tornava também um país vazio de esperanças. Chico pode apresentar na música alusões ao desejo de viver em um país sem repressão política, perseguição aos artistas e democrático.
A música foi inspirada na “Canção do Exílio”, poema de 1943, do escritor maranhense Gonçalves Dias, que o escreveu quandoestudava direito na Universidade de Coimbra, em Portugal, e sentia falta de sua terra natal, o Brasil.
O mais curioso é que – embora já o Brasil já estivesse vivendo sob o regime militar desde 1964 – na época da composição da canção ainda não tinha acontecido o momento de maior repressão e cercamentos das liberdades da ditadura, que foi o Ato Institucional Número Cinco (AI-5), que perseguiu de forma dura a classe artística.
O AI-5 foi instituído pouco depois que “Sabiá” foi apresentada ao mundo, em 13 de dezembro de 1968, e a canção foi vista como uma “nova e premonitória ‘Canção do Exílio’”. Isso porque, pouco depois, em 1969, Chico Buarque se auto-exilou na Itália por 14 meses, por conta da perseguição e censura sofrida por ele pela ditadura militar.
Canção do Exílio
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar – sozinho – à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras;
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho – à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que eu desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Em uma entrevista para o Jornal O Globo, em 2018, a cantora Cynara – intérprete de “Sabiá” no III FIC, deu a seguinte declaração sobre a canção:
“Quando saiu o resultado e fomos cantar ‘Sabiá’, teve uma vaia violenta, fantástica. Não sei como que a gente ouvia a orquestra. Mas, no final, foi bonito, porque teve uma pessoa, não sei quem, que jogou umas pombas, fingindo que eram sabiás.
Fiquei muito revoltada com aquela vaia por causa do Chico e do Tom, porque sou louca pela música e porque achava que eles não mereciam aquilo. A Cybele, que botava as coisas para fora, começou a dar banana para o público. ‘Calma, Cybele, calma, não adianta isso!’, eu dizia.
Nesse ponto, sou muito pragmática. Eu achava que, no sentido político, o público tinha razão em vaiar. A situação no país estava muito ruim, ele tinha de externar aquilo de alguma maneira, e o ‘Pra não dizer que não falei das flores’ veio bem a calhar.
Na mesma entrevista, a cantora fala sobre a melodia e harmonia da música, composta por Tom Jobim: “Para o Tom, tudo era desafio: ele pegou aquele tema erudito e fez uma coisa popular, com duas vozes caipiras. ‘Quanto mais caipira, melhor!’, ele dizia. E fomos nos apaixonando cada vez mais pela “Sabiá”.

