Em 1942, em Salvador, nascia Gilberto Gil, um menino que cresceu embalado pelas rádios de feira e pelas sonoridades do Recôncavo Baiano. Ainda jovem, descobriu no acordeão e no violão os primeiros caminhos para traduzir o mundo em música.
Quando chegou ao Rio de Janeiro, nos anos 1960, trouxe consigo não apenas o sotaque nordestino, mas a ousadia de experimentar. Foi assim que se tornou um dos pilares da Tropicália, movimento que sacudiu o Brasil em plena ditadura militar, ao lado de Caetano Veloso, Gal Costa, Tom Zé e Os Mutantes.

Exilado em Londres após ser preso pelo regime, Gil transformou a dor da distância em canções que misturavam baião, rock e reggae e criou uma identidade única. De volta ao Brasil, seguiu reinventando-se a cada década: ora resgatando suas raízes sertanejas, ora abraçando a batida africana, ora dialogando com a tecnologia e os sons digitais.

A discografia de Gil é um verdadeiro retrato da história recente do Brasil, política, cultural e afetiva. Nesta seleção de 10 discos, revisitamos os álbuns que marcaram sua trajetória, e mostramos como conseguiu unir tradição e modernidade, sem nunca perder a essência baiana que o acompanha desde a infância.
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Seleção de álbuns icônicos
Louvação (1967) – Primeiro LP de Gilberto Gil, lançado em 1967, reúne influências baianas com arranjos modernos. Como lembra o Instituto Gilberto Gil, Louvação traz uma “mistura de folclore (‘Procissão’) e ciência (‘Lunik 9’)”, une o violão nordestino a elementos progressivos. O álbum apresenta faixas que Gil já compunha em Salvador, mostra o início da busca por um som original que ele aprofundaria no Tropicalismo.
Gilberto Gil (1968) – Disco homônimo de 1968, pouco antes do manifesto tropicalista Tropicália ou Panis et Circensis. Lançado um mês antes do clássico coletivo, é considerado a “primeira obra-prima” de Gil. Com capas psicodélicas, guitarras inspiradas no rock britânico e letras cotidianas, o álbum consolidou o Tropicalismo.
Traz músicas como “Domingo no Parque” e “Ele Falava Nisso Todo Dia”. Foi pioneiro ao misturar bossa nova, rock e poesia urbana, em plena ditadura militar brasileira.
Expresso 2222 (1972) – Gravado logo após retornar do exílio na Inglaterra, Expresso 2222 é tido pela crítica como um dos maiores álbuns da carreira de Gil. Lançado em 1972, traz sucessos como a faixa-título e “Back in Bahia”.
O disco, que reflete as experiências de Gil na Europa, foi relançado em vinil comemorando seus 50 anos. A canção “Expresso 2222” tornou-se um hino regional baiano e símbolo do período de volta ao Brasil.
Refazenda (1975) – Lançado em 1975, Refazenda marca um momento em que Gil volta às suas raízes nordestinas. A capa mostra um Gil sertanejo, e o violão de Dominguinhos dá tom de forró ao disco. A crítica aponta que Refazenda é praticamente uma coletânea de clássicos, especialmente pela presença de “Lamento Sertanejo.
Refavela (1977) – Disco de 1977, Refavela combinou samba e ritmos africanos numa época em que Gil viajou à Nigéria em busca de novas influências. O álbum é tantas vezes citado como ícone que ganhou um documentário de 2019. A faixa-título e outras como “Ilê Ayê” trazem a batida afro-reggae e celebram a cultura negra, o que evidencia o lado visionário do trabalho de Gil.
Realce (1979) – Disco de 1979, Realce traz sintetizadores e grooves dançantes típicos da época, mas já carregados do tempero brasileiro. A faixa-título virou sucesso e é um clássico na obra de Gil. Realce é o último volume da chamada trilogia Re- de Gil, encerrando uma fase criativa que inclui também Refazenda e Refavela.
Acústico MTV (1994) – Disco ao vivo de 1994, parte da famosa série MTV Ao Vivo. Nele, Gilberto Gil repensa sucessos antigos em versão acústica e intimista. O repertório traz, desde Refazenda e Realce, até parcerias como “Toda Menina Baiana”. Esse trabalho ampliou o alcance de Gil para o público jovem dos anos 1990 e reafirmou sua versatilidade.
Quanta Gente Veio Ver (Ao Vivo) (1998) – Álbum duplo ao vivo, gravado durante a turnê do disco Quanta (1997). Em 1999, Quanta Gente Veio Ver rendeu a Gil o primeiro Grammy de Melhor Álbum de World Music. Entre clássicos e novidades do repertório, o disco mostra Gil em forma plena. O Grammy reforçou seu reconhecimento internacional e o disco se tornou obrigatório para fãs que acompanham sua fase madura.
Banda Larga Cordel (2018) – Um dos mais recentes lançamentos de Gil, esse álbum ao vivo celebra canções baseadas em cordéis brasileiros. Em 2018, Gil foi indicado ao Grammy Latino por Banda Larga Cordel, na categoria de Melhor Álbum Cantor-Compositor. Nele há letras inspiradas na tradição nordestina e arranjos com ritmos atuais. Apesar de moderno, o disco dialoga diretamente com a herança cultural de Gil.
Os álbuns que narraram o país no compasso de Gil
Em cada disco, há uma conversa direta com o tempo em que foi lançado: da repressão política às celebrações da diversidade cultural. Revisitar esses álbuns é entender como Gilberto Gil construiu, nota a nota, um retrato fiel das mudanças do Brasil sempre no compasso da sua música.

