Torquato Neto foi um dos maiores poetas da música popular brasileira. Grande experimentador ligado à contracultura e com participação ativa no movimento da Tropicália, o jornalista e letrista piauiense completaria 81 anos neste dia 09 de novembro.
Para homenageá-lo nesta data especial, trouxemos a história por trás de uma de suas principais composições: “Geleia Geral”.
A grande “Geleia Geral”
Composta em parceria com Gilberto Gile lançada como sexta faixa do antológico álbum “Tropicália ou Panis Et Circensis”, de 1968
(considerado como um dos maiores discos da história da música popular brasileira de todos os tempos), “Geleia Geral” é a canção-manifesto do Movimento Tropicalista, dentro do álbum-manifesto do movimento, que traz o coletivo de artistas que o formaram: Gil, Torquato, Caetano Veloso, Gal Costa, Tom Zé, Os Mutantes, Rogério Duprat, Nara Leão e Capinam.
Interpretada por Gilberto Gil – que já havia sido parceiro de Torquato Neto em “Louvação”, canção que lançou o baiano pro mundo e que deu nome a seu primeiro disco, já iniciando o que seria o movimento da Tropicália – “Geleia Geral” descreve as premissas do Tropicalismo de forma brilhante, como em uma síntese musical.
Um dos marcos fundamentais da música e da cultura brasileiras do século XX, o movimento é um dos mais importantes da nossa história.
A Tropicália contemplou e internacionalizou a música, o cinema, as artes plásticas, o teatro e toda a arte brasileira. O movimento surgiu sob a influência das correntes artísticas da vanguarda e da cultura pop nacional e estrangeira, como o rock e o concretismo, misturando manifestações tradicionais da cultura brasileira a inovações estéticas radicais, para criar algo inovador, que interviesse na cena de indústria cultural e de cultura de massas da época. E que representasse uma mudança de parâmetros, que atendesse também aos anseios da juventude da época.
Saiba tudo sobre o Movimento Tropicalista nesta matéria especial.
O título da canção, “Geléia Geral” , já indica a proposta central da música de Gilberto Gil (líder do movimento ao lado de Caetano Veloso) e de Torquato Neto: destacar a mistura cultural – caótica e criativa – que define a cultura brasileira, um grande caldeirão de influências.
A expressão, “Geleia Geral” criada pelo poeta e ensaísta Décio Pignatari e popularizada por Torquato, resume o espírito do movimento tropicalista, que buscava unir influências variadas – do samba ao pop e rock internacional, do tradicional ao moderno – sem perder a essência nacional.
Isso aparece nos versos que misturam referências como “um LP de Sinatra”, “maracujá, mês de abril” e “santo barroco baiano”, mostrando como elementos diferentes convivem e se complementam no cotidiano brasileiro.
A letra também faz críticas à passividade diante das mudanças sociais e políticas da época (o Brasil vivia o auge da Ditadura Militar), como em “E quem não dança não fala / Assiste a tudo e se cala”, sugerindo que é preciso participar ativamente da cultura para não ser apenas espectador.
O refrão “Ê, bumba-yê-yê-boi / Ano que vem, mês que foi / É a mesma dança, meu boi” reforça a ideia de uma repetição cíclica das tradições, ao mesmo tempo em que ironiza a dificuldade de mudanças reais.
A preocupação de Gil e Torquato Neto ao criarem “Geleia Geral” não consistia apenas em promover o tensionamento entre as tradições culturais brasileiras e a música internacional, como também propunha novos rumos para a canção que se produzia no Brasil naquele período.
A música traz uma celebração da diversidade e pluralidade como forma de resistência e afirmação de identidade de um país.
“Geleia Geral” se tornou uma referência em relação a muito do que se produziu musicalmente nas décadas seguintes.
Mais sobre Torquato Neto
Torquato Neto nasceu em Teresina e mudou-se para Salvador aos 16 anos, para os estudos secundários, onde foi contemporâneo de Gilberto Gil no colégio e acabou envolvendo-se ativamente na cena soteropolitana, aproximando-se, além de Gil, de Caetano Veloso, Gal Costa, Tom Zé e Maria Bethânia.
Em 1962, mudou-se para o Rio de Janeiro para estudar jornalismo na universidade, mas nunca chegou a se formar. Trabalhou para diversos veículos da imprensa carioca, com colunas sobre cultura no “Correio da Manhã”, “Jornal dos Sports” e “Última Hora”.
Torquato Neto atuava como um agente cultural e defensor das manifestações artísticas de vanguarda, como a Tropicália, o cinema marginal e a poesia concreta, circulando no meio cultural efervescente da época, ao lado de amigos como os poetas Décio Pignatari, Waly Salomão, Augusto e Haroldo de Campos, e o artista plástico Hélio Oiticica (que inspirou o nome e ajudou a consolidar uma estética do movimento tropicalista na música brasileira).
Torquato Neto foi responsável por escrever o breviário Tropicalismo para principiantes, no qual defendeu a necessidade de criar um “pop” genuinamente brasileiro: “Assumir completamente tudo o que a vida dos trópicos pode dar, sem preconceitos de ordem estética, sem cogitar de cafonice ou mau gosto, apenas vivendo a tropicalidade e o novo universo que ela encerra, ainda desconhecido”.
Composições importantes
O poeta também foi um importante letrista de outras canções icônicas do movimento tropicalista e da nossa MPB.
Além de “Geleia Geral”, outra canção de Torquato Neto que entrou para o álbum-manifesto da Tropicália foi “Mamãe Coragem”, parceria com Caetano Veloso, interpretada por Gal Costa.
Duas outras parcerias de Gil e Torquato tambémentraram no primeiro disco do baiano, “Louvação”: “A Rua” e “Rancho da Rosa Encarnada”, parceria dos dois compositores com Geraldo Vandré.
Falando em Elis Regina, ela já havia gravado duas canções de Torquato Neto no seu disco “Elis”, neste mesmo ano de 1966, ambas em parceria com Edu Lobo: “Pra Dizer Adeus” – grande clássico, que depois foi regravado por outros grandes nomes como Elizeth Cardoso, Ângela Maria e – e Veleiro.
Também em 1967 e também no primeiro disco de Caetano Veloso e Gal Costa, lançado em parceria e chamado “Domingo”, temos duas importantes composições de Torquato Neto, ambas em parceria com Gilberto Gil: “Zabelê” e “Minha Senhora”.
No final da década de 1960, com o AI-5 e o exílio dos amigos e parceiros Gil e Caetano, Torquato Neto viajou pela Europa e Estados Unidos com a esposa, e morou em Londres por um breve período. De volta ao Brasil, no início dos anos 1970, o poeta começou a se isolar, sentindo-se alienado pelo regime militar.
Ele passou por uma série de internações para tratar do alcoolismo e rompeu diversas amizades, acabando por se suicidar um dia depois de seu 28º aniversário, em 1972.
Depois de voltar de uma festa, trancou-se no banheiro de sua casa e abriu o gás, morrendo asfixiado. Torquato deixou uma carta de suicidio. Sua mulher e seu filho Thiago, de dois anos, dormiam em um dos quartos da casa.
Homenagens a Torquato Neto
Caetano Veloso compôs uma música em homenagem ao poeta e letrista, que foi seu companheiro de Tropicália e grande amigo. O baiano ficou muito impactado e sofreu muito com essa perda, mas ele conta que não conseguiu chorar na época.
Só anos depois, quando foi fazer um show em Teresina e resolveu fazer uma visita para os pais do letrista – que era filho único – que Caetano conseguiu chorar a morte do amigo, junto com o pai de Torquato Neto, sentados na sala.
Na casa dos pais de Torquato havia várias fotos do poeta na parede e Caetano ficou muito triste e impactado. Começou a chorar em silêncio. Então,o baiano conta que o pai de Torquato Neto foi na cozinha, pegou uma cajuína gelada (bebida típica e patrimônio cultural do estado do Piauí) e os dois continuaram ali, em silêncio, chorando em cumplicidade e tomando a cajuína.
Até que o pai do poeta foi até o jardim, colheu uma rosa menina, e entregou para Caetano. O baiano saiu de lá e compôs “Cajuína”, em homenagem ao amigo, ao pai do amigo e aquele momento que viveram juntos: “Existirmos ao que será que se destina, pois quando tu me deste a rosa pequenina, vi que és um homem lindo e se acaso a sina , do menino infeliz não se nos ilumina, tampouco turva-se a lágrima nordestina, apenas a matéria vida era tão fina, e éramos olharmos intacta retina, a cajuína cristalina em Teresina,”.
A música foi lançada em 1979, no disco “Cinema Transcendental”, de Caetano Veloso.
Já a partir da década de 1980, as gerações mais recentes também puderam apreciar o talento poético de Torquato Neto, por meio do seu poema “Go Back” – escrito em 1971 – que, em 1984, foi musicado pelo tecladista, vocalista e um dos principais compositores dos Titãs, Sérgio Britto.
A primeira gravação de “Go Back”, foi lançada no disco “Titãs”, de 1984, e – depois – a canção ganhou uma outra versão, em 1988, quando a banda deu um arranjo ainda mais vigoroso à canção, que tornou-se a faixa-título de um disco ao vivo, gravado em Montreux, na Suíça, consagrando a popularidade da canção.

