Levantamento da Faesp com produtores paulistas mostrou que mais da metade não pretende investir na próxima safra
O agronegócio brasileiro vive um momento de atenção redobrada. As recentes análises da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp) revelam um setor em alerta, pressionado por fatores externos e internos que comprometem a confiança e a capacidade de investimento dos produtores. O cenário é desafiador: o tarifaço imposto pelos Estados Unidos reduziu em 75% as exportações brasileiras para aquele país, os juros seguem altos e o crédito, cada vez mais caro e limitado. Tudo isso exige que a gestão e o planejamento financeiro ganhem protagonismo no campo.
Um levantamento realizado pela Faesp com produtores paulistas mostrou que mais da metade não pretende investir na próxima safra, percentual que chega a 70% entre os produtores de grãos. A maioria deve manter a mesma área plantada e o mesmo pacote tecnológico, reflexo direto do encarecimento do crédito e da rentabilidade em queda. Os produtores apontam o custo do dinheiro e as dificuldades para acessar linhas de financiamento como os principais obstáculos. O seguro rural, embora visto como uma ferramenta importante, ainda não é acessível para grande parte deles, seja pelo preço dos prêmios, seja pela falta de subvenção governamental adequada.


Por que cautela?
As projeções da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para a safra 2025/26 reforçam a necessidade de cautela. Nacionalmente, soja e sorgo devem crescer 3,6% e 8,4%, respectivamente, enquanto culturas como arroz, amendoim e milho tendem a recuar. Em São Paulo, o panorama é de estabilidade, com destaque para o sorgo, que deve avançar mais de 20%. Apesar disso, os custos de produção continuam elevados e as incertezas de mercado seguem como um freio importante. Produtos como feijão e amendoim enfrentam quedas de preço, a cana-de-açúcar se mantém promissora, mas sofre com a seca e aumento de custos, e o boi gordo atravessa fase positiva, com produtividade e demanda em alta.
O atual Plano Safra, embora tenha recebido um aumento nominal de 1,6% nos recursos, perdeu cerca de 3% em termos reais, devido à inflação. Além disso, boa parte do montante é formada por Cédulas de Produto Rural (CPRs), instrumento de crédito privado, e não por recursos públicos diretos. O Banco do Brasil, que anunciou R$ 230 bilhões em crédito para a próxima safra, também estuda medidas de renegociação de dívidas e ajustes no perfil de crédito, já que o endividamento e a inadimplência entre produtores aumentaram.
Gestão financeira
O diagnóstico das comissões técnicas da Faesp é claro: a baixa rentabilidade é o principal entrave do setor, afetando tanto a capacidade de pagamento quanto o ímpeto para novos investimentos. Mesmo com boas expectativas de produtividade, a volatilidade dos preços e a insegurança econômica reforçam a importância de uma gestão financeira rigorosa. O produtor rural brasileiro não controla o preço que recebe, mas pode – e deve – controlar suas decisões e estratégias de produção, evitando endividamentos desnecessários e aproveitando melhor as oportunidades de mercado.
“O futuro do agro brasileiro, portanto, depende de três pilares centrais: gestão, inovação e diversificação. A primeira envolve o uso de ferramentas de controle financeiro, avaliação de riscos e planejamento de longo prazo. A segunda, a adoção de tecnologia e modernização de processos, que aumentam a eficiência e reduzem custos. E a terceira, a ampliação de mercados e cadeias de valor, evitando dependência de poucos destinos comerciais. Nesse sentido, a diversificação das exportações é fundamental para reduzir o impacto de políticas externas, como o recente aumento de tarifas americanas.“
Uma pesquisa do Rabobank, intitulada Brazil Agribusiness Outlook 2025, reforça esse diagnóstico. O estudo aponta que o agro nacional enfrenta um ciclo de desafios combinados: juros altos, inflação persistente, custos de produção elevados e riscos climáticos que afetam a oferta. Mesmo assim, o setor deve continuar crescendo de forma moderada, impulsionado pela demanda global por alimentos e biocombustíveis. Já dados da IMARC Group indicam que o mercado agrícola brasileiro, avaliado em cerca de US$ 128 bilhões em 2025, pode chegar a US$ 155 bilhões até 2030, com expansão média anual de 3,8%.


Cenário
Esses números mostram que o crescimento continua, mas em ritmo menor. A era de margens largas e crédito fácil ficou para trás. A próxima safra, e provavelmente as seguintes, exigirão mais gestão do que nunca. É o momento de investir em inteligência de mercado, em eficiência operacional e em instrumentos de proteção financeira. O campo precisa estar preparado para um ambiente de negócios mais técnico e competitivo, no qual o sucesso não virá apenas do tamanho da colheita, mas da qualidade da gestão.
“O Brasil segue como potência agrícola mundial, mas sua força dependerá cada vez mais da capacidade de planejar, inovar e reagir a um mundo em constante transformação. O produtor que compreender isso, e agir de forma estratégica, continuará prosperando mesmo em meio à instabilidade. O que está em jogo não é apenas a próxima safra, mas a sustentabilidade econômica de todo o agro brasileiro no longo prazo.“

