Hoje é aniversário de Alceu Valença, um dos maiores nomes da história da música popular brasileira de todos os tempos. Em homenagem ao artista, nós vamos te contar a história de um dos maiores sucessos de sua carreira: a música “Morena Tropicana”.
Sobre Alceu Valença
Cantor, compositor, instrumentista, irreverente poeta – e também cineasta – o pernambucano Alceu Valença representa o Brasil e o nordeste como poucos, assimilando a cultura e a música do agreste e do sertão a partir das suas raízes.
Com mais de 50 anos de carreira e mais de cinco milhões de discos vendidos, Alceu é mestre em pegar as influências regionais do maracatu, do coco, das toadas, dos xotes, do frevo, baião, do repente de viola, da literatura de cordel e de outras tantas outras manifestações nordestinas, e unir tudo isso às guitarras e baixos elétricos vindos do rock’n roll e também a elementos da música pop.
As questões políticas e sociais, também estão sempre presentes na sua música. O pernambucano se formou em direito e estudou um tempo nos Estados Unidos (onde tocava nas ruas e era chamado de “Bob Dylan brasileiro”), antes de decidir se mudar para o Rio de Janeiro e participar do seu primeiro Festival de Música, lá nos anos 70, junto com os seus parceiros Geraldo Azevedo e Jackson do Pandeiro.
Seu primeiro álbum – “Quadrafônico” – foi lançado em 1972, em parceria com Geraldo Azevedo.
Mas Alceu Valença estourou mesmo e se tornou conhecido do grande público quando lançou seu primeiro grande sucesso – o baião “Coração Bobo”, em 1980, no seu 4º LP solo, que levou o nome da canção.
Depois vieram tantos e tantos clássicos inesquecíveis como:
- Anunciação
- Girassol
- La Belle de Jour
- Como Dois Animais
- E “Morena Tropicana”, música sobre a qual vamos conhecer a história hoje
Em 96, Alceu Valença se juntou à Elba Ramalho, Geraldo Azevedo eZé Ramalho pro show “O Grande Encontro”, um dos grandes momentos da história da MPB.
Em 2016, ele mergulhou ainda mais nas suas origens e lançou o premiado filme “A Luneta do Tempo”, fazendo sua estreia como diretor.
Seu álbum mais recente é de 2024: “Bicho Maluco Beleza: É Carnaval”.
História da Música “Morena Tropicana”
Lançada em 1982, no 6º álbum solo de Alceu Valença – “Cavalo de Pau” – a música “Morena Tropicana”tornou-se um hit atemporal e é presença obrigatória em todos os shows do pernambucano, que diz que a canção já não pertence mais a ele e sim “ao inconsciente coletivo do povo brasileiro”.
“Morena Tropicana” é uma parceria de Alceu com o compositor baiano Vicente Barreto, que fazia muitas contribuições com o artista na década de 80.

“As pessoas acham que fiz a canção na Bahia: naquele dia de calor, na beira do mar, peguei o violão, aquela cena poética.”, conta Vicente Barreto. Mas – na verdade – ele morava em São Paulo quando tirou acordes no violão com som de xote:
“Essa composição aconteceu da maneira mais simples e mais normal, como normalmente eu faço: todo dia eu pego o instrumento para poder exercitar. E enquanto eu estava nesse processo todo, começou a vir aquela possibilidade de uma coisa nova e me veio a ideia toda da música. Comecei por volta das 9h, e ao meio-dia a melodia estava pronta.”.
Alceu Valença estava hospedado em um hotel, de passagem por São Paulo, e perguntou a Vicente se ele tinha composições novas para lhe mostrar. Então, o baiano foi até o hotel de Alceu e mostrou o que tinha composto.
“Quando cheguei lá e mostrei a canção, ele falou: ‘Que coisa extraordinária, que melodia. Demais! Genial! Posso botar letra?’”
Alceu Valença começou a escrever a letra com uma facilidade tão grande, que terminou em menos de cinco minutos: “Foi saindo assim, ali no quarto do hotel, nós dois. Eu fazendo a frase melódica e ele escrevendo a letra.”, conta Vicente Barreto.
Alceu conta que adorou a música! Em suas palavras, “Morena Tropicana” foi “psicografada”.
Ele também explica sobre a inspiração para a letra: “A questão das frutas que surgiu na minha cabeça nessa música foi uma coisa inconsciente, que veio por causa dos quintais. No quintal da minha casa, meu pai tinha manga rosa, manga espada, tinha coqueiro e assim por diante. Foi simplesmente uma mistura de tudo e que no final das contas era a ‘Morena’ com o sentido da fruta, de uma coisa gostosa, de uma coisa brasileira. De uma salada maravilhosa, ou seja, ela é múltipla, ela pode ser tudo.”, diz Alceu Valença.
“‘Saliva doce, doce mel, mel de Uruçu’. O doce é maravilhoso! O mel de Uruçu é de uma abelha que tinha na minha região, na região do sertão, e que só dá lá, nessa região, certo? E que é um sabor maravilhoso!”, continua.
A forma como o poeta Alceu Valença joga com as palavras sonoras e as frutas deliciosas do Nordeste, caiu no gosto do povo: “Melão maduro, sapoti, juá, jaboticaba teu olhar noturno, beijo travoso de umbu cajá.”. E quando chega no refrão, é o auge!
A inovação proposta por Alceu Valença em “Morena Tropicana”
Em 1980, o importante produtor musical carioca Marcos Mazzola tinha fundado a gravadora Ariola Discos e foi atrás de artistas que ele achava que estavam para acontecer. Alceu Valença era um desses artistas.
Ele vinha de uma temporada fazendo shows fora do Brasil – na França e por toda a Europa – e, ao voltar para o Brasil, encontrou na Ariola uma gravadora que lhe dava liberdade para fazer a música que ele queria e acreditava. Foi assim com “Morena Tropicana” e o disco “Cavalo de Pau”, de 1982.
Mazzola acredita que o que fez com que a canção se tornasse um sucesso instantâneo foi justamente a junção de sonoridade da guitarra eletrônica para as influências da música nordestina até ali, uma inovação proposta por Alceu Valença de forma pioneira naquele momento. Era algo muito novo.
Alceu acredita ser uma bobagem quem acha que baião tem que ser feito só com sanfona: “Baião não é sanfona, sanfona é um instrumento. Ao mesmo tempo, não significa que para você fazer uma música com a guitarra tem que ser rock and roll. É apenas o instrumento que você tá usando para fazer um xote, pra fazer um rock, pra fazer um blues, pra fazer um frevo…”.
Quando o parceiro Vicente Barreto escutou a gravação de “Morena Tropicana”, com aquela introdução de guitarra, ele ficou arrepiado: “Eles foram um pouco pro Caribe, deram uma ‘re-guiada’ na música.”.
Mazzola também ficou impressionado a primeira vez que ouviu: “Quando eu escutei eu falei, caramba, uma flauta, uma guitarra fazendo timbre, o cara com a bateria, tocando forte, eu falei: ‘Esse som é massa mesmo!’”.
“Morena Tropicana” tornou-se extremamente popular: a música tocou no Brasil inteiro, foi a mais executada do país em 1982/83 e tornou-se um sucesso estrondoso na carreira de Alceu Valença.
“Cavalo de Pau” foi o disco que mais vendeu do artista: mais de um milhão e meio de discos. E, com o passar do tempo, “Morena Tropicana” passou de um grande sucesso para um dos maiores clássicos da música popular brasileira.
A música foi um marco em diversos aspectos, não só na carreira de Alceu mas também, como diz Marcos Mazzola: “Uma mudança nos hábitos do Brasil, das pessoas, da forma das pessoas comporem, da nova visão da música nordestina, foi uma coisa definitiva.”.

A repercussão e o impacto da música
Vicente Barreto conta que, depois de “Morena Tropicana” estourar, ele voltou pra cidade em que cresceu – Serrinha, na Bahia – para visitar a mãe: “Peguei o ônibus e, rapaz, quando eu desci, mas veio uma multidão de gente gritando assim: ‘É ele, é ele!’, pra cima de mim. Eu disse: ‘Gente, mas o que tá acontecendo?’. E me responderam: ‘Você não sabe? A música! Todos nós estamos felizes pela música que você fez! Isso mudou a nossa cidade!’. Aí foi que eu fui entender que realmente eu tinha feito uma música que tinha mexido demais com as pessoas.”
E continua: “Hoje, em qualquer lugar que eu chego, as pessoas falam: ‘Ele é o autor de Morena Tropicana!’”.
Aquele também era um momento político em que o Brasil estava despontando com a liberdade, a ditadura estava finalmente chegando nos seus últimos anos, as letras das músicas não eram mais tão censuradas, era possível cantar: “Morena Tropicana, eu quero o teu sabor”.
“Nesse momento, a música popular brasileira estava em alta total”, conta Alceu. “Era um momento em que o Brasil gostava muito do Brasil. Era um momento em que existia uma relação muito forte entre os artistas e aqueles que lutavam pela democracia.”.
E concluiu: “‘Morena Tropicana’ comove as plateias, ela está em todos os meus shows: no meu show de Carnaval, eu coloco ela como frevo. No São João, eu coloco como xote. No meio de ano, eu coloco como ela foi gravada, com um sabor um pouco tropical por causa das congas.”.

