Julgamento debate omissão histórica do Estado no combate ao racismo estrutural, e ministros divergem sobre alcance da resposta judicial
A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), citou o rapper Emicida ao sustentar que os esforços não têm sido suficientes para romper com o ciclo de desigualdade racial no Brasil. O STF formou maioria nesta quinta-feira (27) pelo reconhecimento de violações sistêmicas de direitos da população negra, no julgamento que acusa o Estado brasileiro de omissão histórica no combate ao racismo estrutural.
Ao citar trecho de uma música — “para eles, negros, até para sonhar tem trave; a felicidade do branco é plena, a felicidade do negro é quase” —, ela defendeu que a Constituição não pode ser plena apenas para alguns. “Quero que seja plena para todas as pessoas”, concluiu.
Entenda o que estava em pauta
O placar parcial é de oito votos favoráveis à tese de que há falhas persistentes na garantia de direitos, mas o julgamento foi suspenso e ainda não há data definida para a retomada.
A divergência central entre os ministros está na definição sobre a existência de um “estado de coisas inconstitucional” — conceito jurídico que descreve violações massivas, contínuas e estruturais de direitos fundamentais que não podem ser corrigidas por ações pontuais.
Três ministros, incluindo o relator Luiz Fux, consideram que esse cenário está presente e exigem respostas articuladas entre os três Poderes, com a formulação de um plano nacional de enfrentamento ao racismo, inclusive com participação do Judiciário. Os ministros Flávio Dino e Cármen Lúcia aderiram integralmente à tese.
Outros cinco magistrados — Cristiano Zanin, André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli — também reconhecem a presença do racismo estrutural e a necessidade de ações concretas, mas rejeitam o rótulo de estado inconstitucional. Para esse grupo, há políticas públicas em curso e, embora insuficientes, elas afastariam o pressuposto de omissão absoluta exigido pela doutrina constitucional.
Omissões e limites institucionais
Durante a sessão, o ministro Zanin defendeu que a situação seria de “insuficiência de providências”, e não de completa inércia estatal. Ele citou precedentes como a ADPF 635, que trata da letalidade policial nas favelas, e a ADPF 760, sobre a proteção da Amazônia, para sustentar que o Supremo tem sido cauteloso na aplicação do conceito.
O ministro André Mendonça reforçou que reconhece a existência do racismo estrutural no Brasil, mas refutou a ideia de que ele seja institucionalizado. Em sua visão, trata-se de um fenômeno enraizado na sociedade civil, e não sustentado de maneira formal ou deliberada pelo Estado.

Avanços e resistência à paralisia
Na mesma linha, Alexandre de Moraes avaliou que, embora persistam graves desigualdades, o país vem acumulando medidas legais e institucionais contra a discriminação racial desde 1988.
Ele citou a criação de órgãos de promoção da igualdade racial, ações afirmativas e mudanças legislativas como elementos que demonstram esforço institucional contínuo. Segundo Moraes, “não se pode dizer que tenha havido uma política estatal de manutenção do racismo estrutural”.

